quarta-feira, 16 de novembro de 2011

O Tempo e o Combate

A duração de um combate pode ser de alguns segundos ou alguns minutos, mas não coincide de forma alguma com a medida exterior do tempo. Os segundos passam para todos e pode ser atingidos com um cronômetro, mas o tempo em um combate é um tempo subjetivo. Podemos dizer também, em lutar pela qualidade do nosso tempo, qualidade esta que é determinante na luta.
Observamos o adversário por um segundo, dois segundos... dez segundos, mas, isso não significa que o vejamos por todo o tempo, pois existem instantes que não o vemos, mesmo se continuamos a olhá-lo. O ataque lançado por um karateca de alto nível pode acontecer no momento em que o adversário olha sem, no entanto, vê-lo chegar. Isso não implica necessariamente em uma grande velocidade.
            No karatê esportivo existe uma tendência em medir o nível de um karateca, tomando como base a velocidade e agilidade dos seus movimentos. Isto significa limitar-se a uma única dimensão e desconhecer a qualidade do tempo subjetivo, muito mais decisivo.
            É muito importante que em um combate, o karateca tente entrar no tempo de luta e acima de tudo, na dimensão do YOMI, que os guerreiros japoneses mais procuravam  (YOMI= ler, interpretar, intuir, prever ). Não é por acaso que, a partir de certo nível, os adeptos da Kataná (Samurai), tenham se aprofundado no ZEN para alcançar uma completa integração entre o espírito e o corpo.
            Na temporalidade de um combate, o que está em jogo é a densidade com que o tempo é vivido. Não se vence somente com a força física, com as técnicas ou com o MA-AI (ajustamento da distância), ou com o HYOSHI (ritmo descorde), mas principalmente, com a profundidade, a intensidade, e o enchimento total do tempo vivido durante o combate.
            Durante a época Tokugawa, (1603-1868), que foi um período de paz relativa, pois não aconteceram mais guerras intensas como no passado. Isso fez com que houvesse uma formalização no modo de vida dos Samurais que tinham que aprender dezoito artes marciais. A Kataná ( espada) se tornou a arma cotidiana dos guerreiros japoneses, e foi neste período que o desenvolvimento da habilidade no uso da kataná se tornou quase que milagrosa. O aço com que eram feitas não era muito resistente, então os samurais evitavam o máximo cruzar as espadas nos duelos para evitar que perdessem o fio do corte ou até chegar a quebrar. Isso obrigou a desenvolver uma outra dimensão de habilidade que era a capacidade de prever (yomi) o ataque e dar fim ao combate com um único golpe. Para conseguir isso não era suficiente o treinamento físico, mas também um treinamento íntimo espiritual; a aproximação dos guerreiros samurais ao Zen era na busca do domínio desta dimensão; de prever a ação de um ataque.
            A kataná se tornou o símbolo do guerreiro, o samurai não se separava nunca da sua espada, ficava ao alcance até na hora de dormir. Por este motivo as obras dos mestres de kataná daquela época marcam os momentos determinantes da formalização do Budô. O Karatê-Dô para chegar na sua plenitude deveria se apoiar no Budô.
            A arte de prever (yomi) acontece em um tempo vivido plenamente, muito ligado em um combate, sentir a vontade do ataque do adversário, antecipar o seu ataque quando ainda se encontra na sua mente e antes que se transforme em ação. Para conseguir entender como os guerreiros Samurai chegaram a isso, transcreverei alguns textos escritos por mestres de esgrima japoneses que viveram muitas situações de combates na preservação de suas vidas, desenvolvendo habilidades extraordinárias e fora do comum. O tradutor destes textos diz que a tradução literal não daria o significado completo, pois na cultura daquela época os escritos não tinham a função de transmitir inteiramente os conteúdos, mas fornecer uma base de desenvolvimento de um entendimento intuitivo e necessário de muita reflexão. Os autores escolhidos são aqueles cuja influência se propagou no Japão até os dias de hoje, e que se apoiaram o ZEN para fortalecer o espírito, achando que este era o ponto mais importante a ser desenvolvido para se ter um desprendimento completo do corpo nas ações de combate.
                        Os Samurai que através dos seus escritos influenciaram o comportamento marcial japonês são os seguintes: YAGYU MUNENORI, ITO ITTOSAI, MIYAMOTO MUSASHI, ITSUSAI CHOZANSHI e MATSUURA SEIZAN.
                        Nesta seqüência colocaremos o pensamento destes guerreiros Samurais como complemento da atitude do praticante de Karate-Dô.

                                                           (Continua na próxima postagem...)

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Uma Lenda.



     Era uma vez, há muito tempo atrás, um médico japonês de nome Shirobei Akiyama. Dizem que ele tinha estudado na China os métodos de combate daqueles tempos, mas sem obter os resultados que esperava. Contrariado pelo insucesso, decidiu rezar aos Kamis (divindade), e por cem dias se aprofundo na meditação. Ocorre que, um dia nevou abundantemente. O peso da neve quebrava os galhos mais robustos e as toras ficavam expostas.
     Os olhos de Shirobei pousaram então sobre uma arvore que, apesar da neve, tinha ficado intacta. Era um salgueiro. Todas as vezes que a  neve se acumulava nos galhos e ameaçava quebra-los, estes se dobravam para se livrar do peso e voltavam imediatamente à posição primitiva.
     O fato impressionou vivamente o bom médico que entendeu a importância da “não resistência” e a aplicou nas técnicas de combate, e que foi chamado de YAWARA, (flexibilidade), e adotado como principio em todas as artes marciais de origem japonesas.