quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

ITO ITOSSAI 1°Parte


                              ITO ITTOSAI


Ito Ittosai foi um grande mestre de esgrima de uma época anterior a de Yagyu Munenori (1571-1646). A escola de esgrima de Ittosai tinha uma importância semelhante a escola de Munenori, mesmo representando uma outra corrente. Se tem poucas notícias precisas sobre a vida de Ittosai, mesmo assim, muitos textos dos seus escritos chegaram até os nossos dias, confirmando o excepcional nível alcançado por ele na esgrima.
Estes escritos foram reunidos pelos seus discípulos, “Escritos sobre o mestre de esgrima Ito Ittosai”, que é o único documento escrito sobre este mestre.

Ito Ittosai, originário da região de Izu, estudou com o mestre Kanemaki Jisai e chegou ao último nível desta escola (Chu-jo).
Viajou por todo o Japão duelando trinta e três vezes com adversários de escolas diversas, vencendo sempre. O nível alcançado por ele é comparável a de uma divindade e é impossível descreve-lo. O lugar de sua morte é desconhecido.
Um dia Ittosai foi a um templo Xintoísta e ficou sete dias e sete noites com a finalidade de chegar ao último estágio do caminho da espada com a ajuda de alguma divindade do templo. Nada aconteceu e, na última noite, ele desesperado, resolveu se retirar do templo. Na saída sentiu nas costas a vontade de um ataque e golpeou atrás de si horizontalmente com a espada, assim sem pensar. Descobriu então que o agressor estava caído morto, com a espada na mão. Esta técnica, tornou-se o nível máximo da sua escola, que foi por ele denominada a espada do vazio, ou “Sem pensamento”.


Ittosai diz: “Na nossa escola, a técnica é fundamental. As técnicas devem ser fundamentas sobre as razões. Então, é necessário antes de qualquer coisa aprender bem as técnicas, ou seja, as diversas atitudes do corpo e do espírito. Em segundo lugar, é necessário entender bem as razões que levam a mudar de técnica segundo os atos do adversário.
Se treinar suficientemente as técnicas sem entender as razões, a vitória nunca é segura. Quando se entendem bem as razões e se treina suficientemente os fundamentos, as razões que foram entendidas mediante o espírito se refletem nas técnicas. As razões e as técnicas formaram então uma única entidade e não haverá mais diferença entre as razões e as técnicas.
  

Mas no treinamento da espada, tem pessoas que limitam-se em aprender a parte técnica, sem entender as razões, enquanto outros procuram entender as razões sem aprimorar as técnicas. Nenhuma das duas atitudes permite de reagir oportunamente e livremente contra um adversário.
Um verdadeiro adepto da espada aprende na própria vitória o que é a derrota e na própria derrota o que é a vitória. Desenvolvendo dentro de si as técnicas e as razões, e reagindo em função do adversário, entendendo quais são as técnicas e as razões deste.”
SUN TSU diz: “quando se conhece o adversário e a si mesmo, pode-se lutar cem vezes sem perigo. Quando você se conhece, sem conhecer o adversário, às vezes se vence, e às vezes se perde. Quando não conhece a si mesmo e nem o adversário, se perde sempre”.
A dignidade é a condição do homem que se preparou corretamente e que não se perturba dos atos dos outros. Ele não muda com a situação externa. A dignidade domina o adversário sem ação. Ao contrario, a impetuosidade domina o adversário com a ação. A dignidade é calma, mas compreende milhares de situações através do movimento. Este é o motivo pelo qual se deve enfrentar o adversário com dignidade, e ir com impetuosidade para a vitória. Dignidade e impetuosidade são duas coisas diferentes, mas quanto ao essencial elas formam uma única coisa. Quando se chega a não ser influenciado pelo adversário, a dignidade enche o coração, não se tem medo do adversário, não se tem duvidas sobre si mesmo e a impetuosidade se encontra no coração da mesma dignidade. Como diz Lao Tze (filósofo chinês): “Se faz tudo sem fazer nada “... E como diz P. Leminski (poeta e filósofo Brasileiro de Curitiba), em uma das suas obras: “Distraídos venceremos”.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

YAGYU MUNENORI- 3ª. e última parte


Munenori escreve: “para ser capaz de reagir com soltura e de forma oportuna deve-se possuir tanto uma capacidade psíquica quanto uma capacidade física, fundamentadas sobre uma técnica correta e nos mínimos detalhes, pois essas duas capacidades não são separadas, mas devem constituir uma única entidade, por isso, quando uma pessoa consegue essa capacidade, o seu espírito não adere a nada em particular, mas se estende sobre toda a sua existência, e ele será capaz de reagir oportunamente e livremente, sem se preocupar com as regras e convenções. Quando se enfrenta uma pessoa deste tipo, o atraso em extrair a espada da bainha, mesmo por um breve momento, significa a derrota”.

            ACREDITO QUE OS ESCRITOS DE MUNENORI NÃO FORAM ESCRITOS DE FORMA CIENTÍFICA E TORNA-SE DIFÍCIL SUA INTERPRETAÇÃO, OU TALVEZ FEITOS PROPOSITALMENTE POR SE TRATAR DE SEGREDOS FAMILIARES DA SUA ESCOLA. POR EXEMPLO: SOBRE O REFLEXO DA LUA SOBRE A ÁGUA, A LUA É UMA SÓ, MAS OS REFLEXOS SÃO MUITOS, TANTO QUANTO OS RIOS EXISTENTES OU MESMO QUANDO ESCREVE DA DISTÂNCIA DE LUTA QUE TEM QUE SER APRENDIDA DIRETAMENTE NA PRÁTICA.
            MUNENORY FOI MUITO INFLUENCIADO PELA DOUTRINA ZEN. FOI O PRIMEIRO A DIZER QUE A ESPADA E O ZEN SÃO DE CERTA FORMA, A MESMA COISA. DISSE ISSO DEPOIS DE TER ALCANÇADO UM NÍVEL MUITO ALTO NA ARTE DA ESGRIMA, APOIANDO-SE NO ZEN.
            COM AS ORIENTAÇÕES RECEBIDAS DE UM MONGE CHAMADO TAKUAN, ALCANÇOU UM ESTADO DE CERTEZA EM RELAÇÃO A SUA ARTE, OU SEJA, UMA ATITUDE EM QUE A VITÓRIA NÃO DEVERIA SER COLOCADA POR CONTA DO ACASO.
            OS ENSINAMENTOS DO MONGE TAKUAN FORAM TRANSCRITOS POR MUNENORY NO “FUDOCHI”. NO KARATE SHOTOKAN EXISTE UMA POSIÇÃO CHAMADA “FUDODACHI”, USADA EXPECIALMENTE NO KATA “SÔ-CHIN”, SÔ (VIOLÊNCIA OU FORÇA), CHIN (CALMA). ALGUMAS PASSAGENS DESTE KATA EXIGEM VIOLÊNCIA OU CONTEMPORANEAMENTE FORÇA E CALMA.

MUNENORI NO “FUDOCHI” ESCREVE:
O mais importante na arte da esgrima é a aquisição de uma atitude espiritual definida de “SABEDORIA IMUTAVEL”, Fudochi. É uma sabedoria que se alcança intuitivamente depois de longo adestramento na prática. ”Imutável” não significa rígido, pesado e sem vida, como uma rocha ou um pedaço de madeira. Significa o mais alto grau de mobilidade em volta de um centro imutável. A mente alcança então o mais alto ponto de vigor e pode dirigir a sua atenção em qualquer lugar onde seja necessário: a esquerda, a direita, enfim, em todas as direções necessárias. Quando a atenção está empenhada no movimento da espada do adversário que quer te cortar, se perde a primeira ocasião de ser o primeiro em executar o corte. Se você pensa, e tem dúvidas sobre o que deliberar, o inimigo se prepara para te cortar. Não se deve de forma alguma lhe dar tal ocasião. É suficiente seguir o movimento da espada do inimigo, mantendo o espírito livre de executar o contra-ataque sem que intervenha uma reflexão. Você muda quando o adversário mudar, levando o adversário à derrota. Isso é o que podemos chamar de atitude de não iniciativa, é o elemento mais vital na arte da esgrima, como também no ZEN. Se duas ações se executam a distância da espessura de um cabelo, existe uma pausa. No aplauso das mãos, o som sai sem um instante de hesitação. O som não espera, nem pensa antes de sair. Não existe meditação, um movimento segue outro movimento sem interrupção do mental consciente. Se você esta em embaraço e reflete sobre o que é conveniente fazer, está lhe oferecendo uma ótima ocasião para acabar com você. Na vossa defesa deve seguir um ataque sem um átimo de interrupção, assim não terá dois movimentos separados de ataque e defesa, (no karatê isso é chamado de TSUKIUKE, presente em vários katas). A imediata resposta da vossa ação levará fatalmente à derrota o seu adversário, uma derrota em que ele mesmo foi o causador.
É como um barco que desce docemente nas águas revoltosas de um rio, tanto no ZEN quanto na esgrima, um espírito que não hesita, não interrompe, e nem se interpõe é muito apreciado.
Frequentemente no ZEN, faz-se referências ao relâmpago ou as faíscas provocadas pelo contato de duas pedras. Se entender isso como uma forma de velocidade, se faz um grande erro. A idéia deve ser a de uma ação instantânea, de um ininterrupto movimento de energia vital. Quando se dá o lugar a uma interrupção em um setor que não esta em relação com a circunstância, pode estar certo que perderá a sua posição. Bem entendido, que isso não significa que se deseja cumprir as coisas rapidamente, ou no tempo mais breve possível. Se existe em você este desejo, a sua presença constituirá uma interrupção. Quando se pergunta: “Qual é a finalidade real do budismo?”, o monge responde imediatamente: “o galho de cerejeira florido”, ou: “o cipreste no jardim”. Existe algo de imutável no interno, que, todavia, se evolvem espontaneamente na sua presença. O espelho da sabedoria, (MEIKYO), reflete todas as coisas instantaneamente, uma depois das outras, mesmo estando imutável e sereno. O praticante deve cultivar isso.


PRÓXIMA POSTAGEM, ESCRITOS SOBRE O SAMURAI “ITO ITOSAI”.               

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Yagyu Munenori (2ª. parte)



Munenori escreve:

         Quando o adversário usa a espada com hyoshi (ritmo-movimento) amplo, e quando ele utiliza um pequeno, eu utilizo um amplo, com a finalidade de nunca estar de acordo com o ritmo do adversário. Se os ritmos são iguais não é conveniente, pois quem toma a iniciativa para mudar o ritmo leva vantagem, e vence.
         Uma vez que você tenha entendido os movimentos do adversário, pode-se reagir com facilidade. Até o momento da troca de golpes, não deve relaxar o espírito e pensar que o adversário está em estado de ken ( atacar). Tem que manter a calma (tai).  É necessário solidificar o próprio espírito na raiz.
         Ouvir a voz do vento e da água significa manter calma a superfície enquanto a profundidade do espírito esta ativa. Por si só, o vento não tem voz, mas tem voz somente quando toca alguma coisa. Então, quando o vento sopra no alto é silencioso, e, quando desce faz barulho tocando as árvores, as canas de bambu ou qualquer outra coisa. Então, torna-se barulhento e perigoso. Também a água, quando cai do alto não tem voz, adquire voz ao tocar os abjetos que estão embaixo. Sentir a voz do vento e da água significa manter a superfície calma e a profundidade ativa. A superfície é tranqüila, lenta, calma e a profundidade é ativa sem pausas. Não é bom mexer apressadamente o corpo, as mãos ou os pés. Sentir a voz do vento e da água corresponde às razões da natureza. De outro modo, quando se ataca violentamente na superfície é necessário que a profundidade do espírito não seja arrastada a tal violência. Assim, o movimento da superfície não perturba o espírito.
         Quando a superfície e a profundidade estão agitadas, você não age corretamente. Por isso, o espírito de atacar (ken) e o estado de esperar (tai), entendidos como movimento e tranqüilidade devem ser distribuídos equivalentemente na superfície e na profundidade.
         O pato parece tranqüilo, mas move continuamente as patas. É necessário treinar em manter o espírito vigilante, e ser que nem o pato que, na aparência é calmíssimo, mas movimenta as patas sem pausa. Somente então se chega a integrar os movimentos externos com o estado espiritual.
         Pensar em somente vencer é uma doença. Procurar unicamente uma técnica mediante o acúmulo de treinamentos é também uma doença. Querer somente atacar, ou se concentrar na espera, é também uma doença. Também é uma doença pensar em querer expulsar essas doenças. Por doenças, entendo um estado de espírito rígido. Essas diversas doenças estão no nosso espírito. Por isso, é necessário desenvolver um controle mental para se livrar delas. Pensar sem pensamento.
         Um monge perguntou ao seu mestre: O que é o caminho?. O mestre respondeu: O caminho é nada mais que o espírito de todos os dias. É um estado em que se expulsa todos os desejos do espírito e esse entra em uma condição de neutralidade. Por exemplo, quando se atira com o arco, o pensamento de acertar perturba o tiro e quando se usa a espada o pensamento de usá-la desvia a espada. Quando se escreve, o pensamento da caligrafia limita o traço. Quando se toca uma música, a vontade de tocar perturba a música. Em todos os caminhos, o verdadeiro CAMINHO não é aquele que é fixado no pensamento. Aqueles  que seguem rigidamente o Caminho não tem nada no coração. O espelho limpo não tem forma, por isso reflete tudo o que está na sua frente. O mesmo acontece com o pensamento de quem adquiriu o Caminho (DÔ). O vazio absoluto de pensamento lhe consente de reagir a tudo e este é o pensamento comum. E são os verdadeiros adeptos que cumprem todas as coisas com este pensamento comum.
         Antes de ver com os olhos, é necessário ver com o espírito. Isso é fundamental. Ou seja, se vê primeiro com o espírito, depois com os olhos, depois com o corpo, com os pés e com as mãos. 

Próxima postagem: última parte (Fudochi).

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Yagyu Munenori (1ª. parte)


Yagyu Munenori (1571-1646) se tornou o mestre de esgrima de uma família de Shogun e conseqüentemente adquiriu um importante poder político. Teve uma grande influência política e cultural sobre o terceiro Shogun Iemitsu (Shogunato de 1623-1651). O seu cargo foi transmitido aos seus descendentes, os quais se tornaram senhores feudais (no Império japonês, o Shogun detinha o poder efetivo e o imperador tinha um poder simbólico).
                   Transcrevo algumas citações do pensamento de Yagyu sobre a arte da espada:
“Quando se fazem treinos suficientes em todos os campos da luta, chega-se a mover as mãos, os pés, o corpo sem movimentar o espírito e sem pensar no treinamento; consegue-se incorporar o resultado de tudo livremente. Nesse estágio não se sabe onde está o espírito e tampouco os demônios tem a possibilidade de adivinhar o movimento do espírito. Todo o treinamento é feito com a finalidade de chegar a esse estagio. O que é mais importante, deve-se desenvolver destreza em tudo para esquecer o treinamento, e esquecendo tudo, age-se no modo mais apropriado, sem pensamento ou reflexão. Quando utilizo uma tática (finta) e o adversário não percebe que é uma finta, eu o golpeio e venço, mas se ele percebe que é uma finta eu uso uma outra. Nesse caso, venço o adversário fazendo com que a finta se torne o golpe verdadeiro.Quando um erro superficial age como uma abertura para alcançar a verdade, o mesmo erro se torna a verdade: este é um conceito contido na doutrina budista”.

A atitude de KEN e TAI (KEN = atacar, iniciar. TAI=esperar).

No inicio do combate se prepara com concentração em dar duros ataques e se procura golpear antes do adversário. Essa atitude é chamada de ken. Ao esperar sem atacar por primeiro, a essa atitude define-se de tai. Isso comporta uma prudência adquirida. No combate é necessário saber a diferença entre ken e tai. Entre o corpo e a espada existem importantíssimas relações de ken e tai. Você se aproxima do adversário com o corpo em estado de ken, mas se segura a espada em estado de tai, e, provocando-o com o corpo, os pés, as mãos. É necessário atacar primeiro e provocar o adversário para depois vencer. Essa era uma característica da escola da família Yagyu em prevalecer sobre o adversário, deixando que este ataque primeiro.
         Partindo desse ponto de vista, Munenori escreve:

Nas inúmeras variedades de táticas as fundamentais não são muitas, mas as principais são:
1)    Vencer quem não ataca, mas provocando o seu ataque; se vence no momento em que se ataca;
2)    Vencer no momento em que o adversário ataca;
3)    Para aqueles que conhecem a primeira técnica, mostrar um próprio momento de vazio e, ao seu ataque, vencer no momento que golpeia.

         Para Munenori existiam somente estas três técnicas. Segundo ele, esse momento de vulnerabilidade aparece fundamentalmente quando o adversário ataca. Aplicando-se ao Karate essa orientação, encontraremos três técnicas, que são as seguintes:

a)    Encontrar o momento de vulnerabilidade do adversário no instante em que ele lança o ataque. No karatê isso se designa com a palavra DE-AI. Uma forma de golpe de encontro, que acontece no instante de vazio, quando o adversário inicia o movimento.
b)    Quando o adversário não ataca, provoca-se o seu ataque fingindo de atacar, ou modificando a distância e o ritmo. Induz-se assim o adversário a se mexer, e se vence recolhendo o momento de vazio que aparece no início do movimento.
c)    Demonstrar ao adversário um próprio momento de vulnerabilidade e, quando ele ataca, golpeia-o.


         No karatê o bloqueio ou a esquiva não devem ser concebidos como uma simples defesa, mas como um meio para criar um momento de vulnerabilidade no curso de um ataque do adversário.

Próxima postagem (2ª. parte)... Mais pensamentos do Yagyu Munenori.